sábado, 18 de junho de 2011

A prisão do carma

Anteontem, andando pela rua, passei por uma casa onde estava um cachorro. Ele começou a latir para mim e, por toda a extensão do portão, demonstrava sua raiva.

O que mais me chamou a atenção foi o seu sofrimento: ele latia freneticamente. Ele me via um inimigo, que precisava atacar.

Do meu lado, o que estava acontecendo? Alguns minutos antes, eu andava pela rua recitando o mantra de Avalokiteshvara, enquanto pensava ao mesmo tempo: “Que todos se libertem da dor. Que todos tenham felicidade pura”.

Quando passei por esse cachorro, continuei a recitar o mantra e a pensar nessa motivação. Mas o cachorro via em mim um inimigo.

Dois seres, eu e o cachorro. Dois mundos completamente diferentes.

O cachorro estava aprisionado no seu carma. Porque ele é um ser nascido animal, ele não pode se questionar sobre o que vê, percebe ou sente. Porque ele é um ser nascido animal, ele não consegue ver para além das aparências.

Geshe Kelsang Gyatso diz que uma das características de um renascimento animal é sentir grande medo. Medo surge da ignorância, de ignorar as características do que percebemos. E o medo é o responsável por transformar os outros em inimigos.

No caso do cachorro, ele via um inimigo em mim. Nada em mim dizia que eu queria atacá-lo, que eu o odiava. Mas era assim que ele me via. Porque?

Porque quando o cachorro entra em contato com outras pessoas, os potenciais cármicos negativos em sua mente amadurecem fazendo-o perceber os outros como inimigos. O inimigo que o cachorro vê é apenas uma projeção do seu próprio carma.

Mas não estamos tão longe da vida de um cachorro. Ambos, nós e os animais, temos mentes. A mente de um cachorro não é tão diferente da mente humana. Ambas têm muitos fatores mentais em comum, como por exemplo os cinco fatores mentais acompanhantes: sensação, discriminação, intenção, contato, atenção (Entender a mente, página 121). Esses cinco fatores mentais é o que definem uma consciência: consciência visual, consciência auditiva, consciência mental etc.

Porque nós e os animais temos mente, sentimos prazer e dor. Ambos, nós e eles, tentamos fugir da dor e prolongar nosso prazer. Ambos, nós e eles, criamos e experienciamos carma.

Até aqui, nada de diferente.

A diferença entre um ser nascido animal e um ser nascido humano é que os humanos podem conhecer sua própria mente. Os animais, não.

Por isso, podemos ter um renascimento humano e viver como um animal, como dizia o grande santo tibetano Milarepa (c. 1052 – c. 1135). Quando não questionamos a realidade do mesmo modo que um animal não a questiona.

Somente um ser humano pode se libertar da prisão do carma. Somente um ser humano pode dizer ‘Não’ aos seus hábitos de raiva, irritação, apego, vingança, ciúmes, inveja etc.

E é por isso que o caminho à libertação e à iluminação começam com o desenvolvimento do nosso amor, compaixão e sabedoria, sempre juntos.

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