quinta-feira, 26 de maio de 2011

Uma pergunta...

E se tivéssemos que ser budistas sem usar a boca?

Vou me explicar melhor...

O que será que aconteceria se tivéssemos que explicar ou mostrar aos outros que somos budistas apenas pelo nosso exemplo físico? A maneira como gesticulamos, andamos, abrimos ou fechamos portas?

A maneira como comemos, a nossa postura física, o modo como olhamos?

Como expressaríamos nossa compaixão universal e bodichita apenas por meio das nossas ações físicas?

Como poderíamos ensinar o Darma exclusivamente por meio do nosso exemplo físico, sem usar das palavras?

Acho que seria um exercício estimulante!


Como usar a nossa fala

Acredito que as palavras de Buda Shakyamuni abaixo podem dar uma bela reflexão e meditação diárias:


"No caso de palavras que o Tathagata sabe que não correspondem aos fatos, inverdades, não trazem nenhum benefício ( ou não estão conectadas com o objetivo ), antipáticas e desagradáveis para os outros, ele não as diz.


No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, não trazem nenhum benefício, antipáticas e desagradáveis para os outros, ele não as diz.


No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, benéficas, porém antipáticas e desagradáveis, ele possui o bom senso do momento correto de dizê-las.


No caso de palavras que o Tathagata sabe que não correspondem aos fatos, inverdades, não trazem nenhum benefício porém são simpáticas e agradáveis para os outros, ele não as diz.


No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, não trazem nenhum benefício, porém são simpáticas e agradáveis para os outros, ele não as diz.


No caso de palavras que o Tathagata sabe que são fatuais, verdadeiras, benéficas, e simpáticas e agradáveis para os outros, ele possui o bom senso do momento correto de dizê-las. Por que isso? Porque o Tathagata tem compaixão pelos seres vivos."


Buda Shakyamuni (Abhaya Sutta, Majjhima Nikaya 58).

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O budismo é difícil?

Muitas pessoas acham que é difícil praticar o budismo na vida diária, por ele ser muito exigente: existe a lei do carma, a gente não pode mentir etc.

Em verdade, o que é difícil é parar de projetar nos outros nossos desejos e sofrimentos. O que é difícil é parar de culpar os outros pelos nossos problemas.

Gosto de pensar que, no budismo, precisamos ser o mundo que gostaríamos que existisse. Por exemplo, se eu quero um mundo onde possamos confiar uns nos outros, eu primeiro tenho que ser uma pessoa confiável.

Para isso acontecer temos que nos relacionar com o nosso eu de um modo diferente do que até agora vimos fazendo.

Por isso, não é o budismo que é difícil. O que é difícil é nos responsabilizarmos por nossas ações de corpo, de fala e de mente.

Temos duas opções à nossa frente: OU queremos um ser sagrado que seja a nossa imagem e semelhança e confirme o que a gente faz e pensa OU queremos um ser sagrado que nos liberte das armadilhas do nosso próprio eu e suas vontades autocentradas: a fonte de todo o nosso sofrimento.

É exatamente isso que é difícil: quem abre mão do seu eu? É um longo aprendizado, onde a meditação é a pedagogia.

Não há nada mais difícil para o eu do que se ver implicado no que faz. Quando algo acontece errado conosco, qual a nossa participação nisso? 10%, 20%... 50%?

Quando alguém faz algo errado... ah!, como somos perspicazes em mostrar nos mínimos detalhes o que deu errado e porque. E quanto tempo demoramos para desculpar essa pessoa? Mas quando somos nós que falhamos... ficamos irritados com pessoas que fazem análises perspicazes sobre a nossa conduta, nos seus mínimos detalhes. E em quanto tempo gostaríamos que fôssemos perdoados?

Se há alguém difícil aqui, não é o budismo! O budismo apenas ‘levanta a bola’ dessa questão.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Você é budista? Então, em quem você acredita?

Ontem perguntaram para mim se eu era budista e em quem acredito: em Buda ou Deus.

Sinceramente, eu não gosto desse tipo de pergunta. Acho que ela empobrece a visão que podemos ter da vida espiritual.

Se não tomarmos cuidado, podemos transformar “eu acredito em...” numa prática de negação e exclusão. É como transformar a vida espiritual num jogo de futebol: se eu acredito no Time A, não posso falar que o Time B joga bem. Isso não faz sentido.

O que eu respondi foi o seguinte: “Eu acredito no amor e na compaixão universais. E para mim, elas aparecem, elas assumem a forma de Buda Shakyamuni”.

Buda ou Deus são nomes. São nomes que representam ou significam algo. E é muito fácil cair na armadilha de adorar nomes. Nomes dividem. Experiências unificam.

Acho que dizer que budista é quem acredita em Buda é muito pouco. Não dá para separar a Jóia Buda da Jóia Darma. Para mim, budista é quem coloca em prática os ensinamentos de Buda. É por isso que Buda falava: “Quem quer ser meu discípulo deve usar sua vida para tentar não prejudicar nenhum ser vivo. Esse é o meu verdadeiro discípulo”.

Em verdade, é nisso que acredito. E acredito em Buda porque ele me ensina como me tornar melhor, como desenvolver minha capacidade de amar e de ter compaixão, como reduzir o meu egoísmo e aumentar meu altruísmo.

Outras religiões fazem isso? Sim, fazem. E de maneiras tão belas como as do budismo. Mas eu prefiro a beleza do budismo. E isso é muito mais do que "acreditar", como popularmente falamos. É entender nossa condição e nosso papel no mundo, e trilhar um caminho espiritual que nos ajude a realizar o que é melhor para o conjunto dos seres vivos.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Dando um giro pelo twitter (18 de maio)

“Ignorância é ignorar o que é a verdade. Sabedoria é ignorar o que é falso”. (@LunaKadampa)


Meditar na morte ñ serve p/ ficar corajoso, serve p/ extrair a essência da vida atual. Corajosos podem desperdiçar a vida; um sábio, não.” (@MeditarBH)


Não é suficiente amar os seres vivos como um todo. Precisamos aprender a amar cada um deles individualmente”. (@kelsangdorje)


A língua como uma faca afiada... mata sem derramar sangue. Buda.” (@BuddhaDaily)


Conhecer os preceitos de cor mas falhar em praticá-los é como acender uma lâmpada e, então, tapar os olhos. Ditado tibetano”. (@Buddhism_Now)

Sobre um filme: "Homens e Deuses"

Outro dia assisti no cinema um belo filme francês, “Homens e Deuses” (Des Hommes et des Dieux, França, de Xavier Beauvois, 2010).

Conta a história real de sete monges católicos que vivem na Argélia, nos anos 1990. Era um momento difícil para esse país, por conta do extremismo islâmico que estava surgindo.

Esses monges passam a viver cada dia como se fosse o último dia, porque a qualquer momento o mosteiro em que vivem podia ser invadido pelos extremistas.

Um dos monges reza para Deus para que Ele desarme os terroristas. Esse monge pede para que os terroristas sejam desarmados de suas armas e também em seus corações.

Mas pouco a pouco, esse monge percebe que, dentro de si, também há raiva. E então, ele muda a sua oração. Ele passa a rezar: “Por favor, Deus, desarme-me primeiro, e depois desarme eles”.

Penso que, do ponto de vista budista, isso significa a renúncia mahayana.

Por exemplo, “eu quero um mundo melhor, com mais paz”. Em geral, ficamos preocupados com os outros que não deixam o mundo em paz. Mas do ponto de vista da renúncia mahayana, toda falha que vejo fora de mim procuro, primeiro, identificar em mim. O que há em mim que não permite que o mundo seja melhor? O que há em mim que não permite que haja mais paz no mundo? Quanto existe ainda dentro de mim de intolerância ou raiva?

Renúncia é o desejo de parar de sofrer para sempre. Sofremos por causa das nossas falhas. Quando vemos falhas nos outros, podemos transformar isso num ótimo aprendizado, num processo de autoconhecimento profundo: procurar dentro de nós o potencial de tudo o que vemos fora.

A renúncia budista, e em especial a renúncia mahayana, sublinha que temos que ser o que desejamos para o mundo. Se queremos um mundo mais puro, nós primeiro temos que ser mais puros. Se queremos um mundo mais em paz, nós primeiro temos que ter paz.

E os outros? Os outros precisam apenas do nosso amor...

segunda-feira, 16 de maio de 2011

E depois da comoção... vem o quê?

Às vezes, através dos jornais e da TV, nos deparamos com grandes tragédias causadas por desastres naturais.

Somos tomados por grande comoção. Ficamos emocionados. Muitas vezes nosso medo e insegurança aumentam. Mas também nos tornamos mais solidários, lembramos de rezar...

E depois de algumas semanas... tudo se foi: a comoção, a emoção, a solidariedade, as preces.

E passamos a nossa vida assim, balançando entre a comoção e a indiferença.

Será que isso poderia ser diferente? A resposta é: sim.

No Brasil, por exemplo, morrem cerca de 3 mil pessoas todos os dias. Essa é a taxa de mortalidade medida pelo IBGE em 2005 (6,31 mortes para cada 1 mil habitantes).

Se nos lembrássemos disso, poderíamos rezar todo os dias para essas 3 mil pessoas que faleceram, desejando-lhes paz e que possam ter renascimentos afortunados. Poderíamos rezar também para outras tantas 3 mil ou 6 mil ou 9 mil pessoas que estão vivas, mas que perderam seus entes queridos.

Se para cada uma dessas 12 mil pessoas (3 mil que faleceram e 9 mil que estão tristes) pudéssemos rezar “Que ela seja feliz, que ela encontre paz interior, que ela não sofra”... de que tamanho nosso coração se tornaria?

Nosso coração ficaria repleto de amor e compaixão. Amor e compaixão são verdadeiras causas de paz interior.

Imagine o seguinte: se a compaixão e amor por uma pessoa fosse como a chama de um palito de fósforo, qual o tamanho da chama de 12 mil palitos de fósforo?

Se pudermos fazer isso todos os dias, certamente não seremos mais a mesma pessoa. E não ficaremos mais reféns das comoções: seremos uma usina de amor, compaixão e preces.

sábado, 14 de maio de 2011

Espiritualidade começa em casa

É comum acharmos que a nossa vida é uma coisa... e que a prática espiritual é outra coisa, totalmente separada e diferente da vida diária.

Por isso, nos sentimos divididos, a ponto de dizermos: "Hoje não tive tempo para praticar".

Isso não faz sentido.

O budismo ensina que o caminho à libertação e iluminação consiste em mudar nossas intenções: de egoístas para altruístas, de irritação ou raiva para paciência, de apego ou avareza para generosidade, de intolerância para amor etc.

O melhor momento e lugar para mudar nossas intenções é quando estamos interagindo com os outros. E fazemos isso o dia inteiro, a não ser que sejamos um eremita! Como diz Shantideva, um mendigo não é um obstáculo para quem quer praticar generosidade.

Podemos praticar o dia inteiro, prestando atenção em nossas intenções, e transformá-las nas atitudes corretas do Darma.

Por isso, é contraditório rezar "Que eu me torne um Buda para o benefício dos outros...", se em casa eu não coopero para o bem-estar e a harmonia da minha família ou da vizinhança.

A prática de amar todos os seres vivos começa em casa. E a espiritualidade também.

O que é ser budista?

Ser budista é seguir os ensinamentos de Buda, não Buda ele mesmo.

Às vezes cantamos louvores a Buda, fazemos fartas oferendas, dizemos que daríamos nossa vida pelo Guia Espiritual etc.

Mas como tratamos os outros? Às vezes com indiferença, irritação. Ou fazemos as coisas pensando em nosso próprio interesse.

Geshe Kelsang Gyatso diz, comentando Shantideva:

“Como praticantes de Darma, é incoerente confiar em Buda e, apesar disso, continuar a prejudicar os seres sencientes. Seria como agir bondosamente com uma mãe e, pelas costas, bater em seus filhos. Do mesmo modo que prejudicamos a mãe ao prejudicar seus filhos, desagradamos aos Budas sempre que temos más intenções em relação aos seres sencientes”. (Contemplações significativas, página 264)

Seguimos Buda quando, pelo menos, usamos as situações diárias da nossa vida para tentar respeitar ativamente os outros. Todo dia um pouquinho mais.